sexta-feira, 3 de junho de 2011

DEMOCRACIA CORINTIANA


Em 1982, o Brasil ainda vivia sob a ditadura militar. Mas os ventos democráticos já começavam a soprar sobre o país. Naquele ano, os brasileiros voltaram a eleger diretamente os governadores de estado. E abertura também chegou ao futebol na época. E em um dos clubes mais populares do país. Com a nomeação do sociólogo Adilson Moreira Alves como diretor de futebol do Corinthians e a presença no elenco de jogadores politicamente engajados, como Sócrates, Wladimir e Casagrande, se criaram as bases para a “Democracia Corintiana”.



No sistema, os jogadores tinham voz ativa nas decisões do clube, opinando sobre períodos de concentração, horários de treinos, contratações e dispensas.

- Ganhar ou perder. Mas sempre com democracia – era o slogan do movimento, sob o qual o Timão foi bicampeão paulista em 82 e 83.

O nome do sistema chegou a estampar as camisas do clube. Que também serviram para mensagens políticas, com a que incentivava a população a ir votar em 15 de novembro.

Mas o insucesso em Brasileiros e a saída de Sócrates do Parque São Jorge em 84 fizeram o movimento se enfraquecer. Até ser extinto.

Para relembrar detalhes daquele movimento que marcou o futebol brasileiro na primeira metade da década de 80, os cineastas Pedro Asbeg e Gustavo Gama Rodrigues preparam o documentário “Democracia em preto e branco”. No filme, a dupla quer analisar o movimento no Corinthians também sob a ótica da situação política do país da época, marcada pela mobilização popular pelas eleições diretas para presidente, e o panorama musical do momento, com o surgimento da geração ‘Rock Brasil”.



Em entrevista ao blog Memória Esporte Clube, Pedro Asbeg revela detalhes da produção do documentário, destaca a liderança de Sócrates no movimento e não vê possibilidade da repetição de algo parecido em um clube nos dias de hoje.

- Acho que da forma como ocorreu, não veremos jamais. Por outro lado, acho que muitos exemplos que nasceram ali, de liberdade de expressão e direitos dos atletas, podem e devem ser aproveitados – afirma Asbeg, que mantém um blog sobre o documentário.

Porque você decidiu escolher a Democracia Corintiana como tema de um documentário?

- Diria que a inspiração para o filme foi o fato de termos vivido aquela época intensamente. Meus pais me levavam para os comícios da campanha das diretas, sempre gostamos das bandas brasileiras que estavam surgindo naquele momento e somos fanáticos por futebol. O Sócrates, sem dúvida, era e ainda é um grande ídolo para nós.

Quais personagens já foram entrevistados? Quais vocês ainda pretendem entrevistar?

- Já filmamos papos ótimos com Sócrates, Casagrande, Juca Kfouri, Washington Olivetto, Marcelo Rubens Paiva, Roger Moreira (vocalista do grupo Ultraje a Rigor), entre outros. Vamos fazer a segunda bateria de entrevistas e queremos agora conversar com figuras que marcaram aquele momento do Brasil como Rita Lee, Lobão, Angeli, Lula e Fernando Henrique Cardoso .

O documentário não se restringe apenas ao futebol. Há relação daquele movimento no Corinthians com o momento em que o Brasil vivia na política e na cultura nos anos 80?

- Eu diria que o processo de abertura política no Brasil do início dos anos 80 é o tema do filme. A Democracia Corintiana – que mistura futebol e política – é uma das três pontas do nosso documentário. Vamos abordar também o movimento do chamado Rock Brasil e a mobilização em torno das Diretas Já!

Na pesquisa, você certamente encontrou histórias curiosas e surpreendentes. Poderia citar alguma?

- Acho que o mais legal foi descobrir a extensão da democracia corintiana. Os jogadores passaram a opinar sobre as questões mais variadas, desde contratação de jogadores até a existência ou não da concentração, passando inclusive por horários de treino. Ouvi coisas muito legais também sobre o histórico comício no Vale do Anhangabaú (SP), onde muitos dos entrevistados estavam presentes. Prefiro guardar essas surpresas para o filme…

É verdade que o goleiro Leão era contrário ao movimento?

- Eu não diria que o Leão era contrário ao movimento. Pelo que pude entender até agora, ele simplesmente não acreditava nos métodos da ‘Democracia’. Ao longo dos anos, se recusou a comentar o assunto, mas ainda acredito que conseguirei falar com ele. Por favor, Leão, conte seu lado da história pra nós!

Havia um líder destacado naquele movimento?

- Sócrates, que era um craque de bola e articuladíssimo no campo das idéias, acabou tendo um papel de grande destaque por ser um ídolo que representava o movimento. No entanto, diria que além dele, foram cruciais para o “movimento” o Casagrande, o Wladimir e o Adilson Monteiro Alves (diretor de futebol).

Você acha que a ‘Democracria’ poderia se repetir hoje em um clube ou foi algo particular daquele momento?

- Jogadores e dirigentes tiveram na Democracia Corintiana a possibilidade de experimentar uma liberdade de expressão e certos direitos que não tinham do lado de fora do clube. Acho que da forma como ocorreu, não veremos jamais. Por outro lado, acho que muitos exemplos que nasceram ali, de liberdade de expressão e direitos dos atletas, podem e devem ser aproveitados. Infelizmente, na minha opinião, os jogadores de futebol andam cada vez mais alienados.

Como está o processo de financiamento para o documentário?

- Além dos processos ortodoxos de captação de recursos através de leis de incentivo à cultura, decidimos partir para um método inovador de ‘crowdfunding’, onde qualquer indivíduo tem a chance de viabilizar uma etapa da produção. Através do site incentivador.com.br as pessoas ajudam a bancar a segunda bateria de entrevistas em troca de contrapartidas que oferecemos.

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